É preciso se atentar aos cenários climáticos
Álvaro Trilho
A Conferência da Nações Unidas para o Clima, a COP 28, realizada no final do ano passado, trouxe como principal ponto a transição energética, destacando o fim do uso dos combustíveis fósseis e o fortalecimento das energias renováveis.
Contudo, apesar dos importantes avanços desse encontro global, a Conferência terminou sem a definição clara de quando o uso dos combustíveis fosseis deverá se encerrar e quando podemos afirmar que completamos a transição energética.
Então, ao analisarmos esse quadro, percebemos que, infelizmente, estamos tomando decisões sem nos atentarmos aos cenários climáticos que estão sendo desenhados para o futuro e que já demonstraram claramente que não estamos conseguindo cumprir os objetivos do Acordo de Paris.
Os cenários climáticos, curiosamente, nasceram na década de 1970, em razão dos choques do preço do petróleo, desempenhando um papel importante de planejamento que manteve a estabilidade financeira a curto prazo e conseguiu gerir as transições do sistema energético a longo prazo. Inclusive, esta foi, também, uma das forças motrizes para a criação da Agência Internacional de Energia, cujos cenários são amplamente usados hoje para entender como o mundo pode descarbonizar.
De forma resumida, os cenários climáticos constroem uma ampla gama de possibilidades e consequências, utilizando como base dados técnicos, como tamanho das populações, consumos, emissões geradas, dentre outras. Graças ao crescimento do poder computacional, somos capazes de desenvolver cenários complexos, testar suposições e fazer análises de alta complexidade. Como resultado, temos cenários plausíveis, positivos e negativos, em margens definidas de tempo.
Ou seja, por meio dos cenários climáticos, conseguimos antever se as nossas decisões e ações terão os resultados esperados.
Por exemplo, o Acordo Climático de Paris, de 2015, estabeleceu planos rigorosos para limitar o aumento da temperatura média global em até 1,5°C acima da média pré-industrial até 2030.
Com base nos cenários climáticos, tendo como base 2022, conseguimos estimar que se até 2030 for emitido 320 Gigatoneladas de dióxido de carbono, temos 67% de possibilidade de conseguirmos manter a temperatura abaixo do 1,5ºC. Caso essa quantidade de emissões aumente para 420 Gt de CO2, a possibilidade cai para 50%.
Agora, de acordo com o renomado site de divulgações científicas IFLScience, em 2022 as emissões cresceram 0,9%, para um total de 36,8 gigatoneladas de dióxido de carbono. Em 2023, foi registrado um aumento de até 1,5% nas emissões de CO2.
Então, em uma matemática simples, se conseguirmos manter uma emissão anual de 37 Gt de CO2, que é aproximadamente o que foi emitido neste ano, até 2030, teremos emitidos cerca de 260 Gt na atmosfera. Ou seja, vamos ter uma probabilidade maior do que 67% para mantermos a temperatura na Terra estável.
Mas, como não destacamos um prazo para o fim do uso dos combustíveis fósseis fica impossível saber se isso será alcançado ou não.
Usando novamente a tecnologia dos cenários climáticos, tendo como base apenas o segmento de transportes e os contextos econômicos atuais, podemos prever que até 2030 teremos um aumento da emissão de dióxido de carbono. A emissão de CO2 vai crescer cerca de 27% na aviação; aproximadamente 7% na navegação; cerca de 15% nos veículos pesados; e quase 4% nos veículos leves.
Só que, com base nos cálculos, para alcançarmos as metas do Acordo de Paris, novamente tendo como base somente o segmento de transportes, até 2030 a aviação precisaria reduzir a emissão de CO2 em -0,51%, a navegação em 16,79%, os veículos pesados em 12,12% e os veículos leves em 11,64%.
Infelizmente, os números não mentem. O cenário climático precisa ser contemplado, não apenas no nível global, mas em todos os setores e segmentos, dos governamentais aos corporativos. Temos a tecnologia e o conhecimento a nosso favor. Precisamos usá-los. Caso contrário, teremos muitas conferências no futuro, que não trarão resultados.
*Álvaro Trilho é diretor de Risk & Analytics da WTW