Cepe e Editora UFPE lançam 3ª edição de obra rara de Osman Lins

Guerra sem Testemunhas: o escritor, sua condição e a realidade social tinha sido publicado pela última vez há meio século

No centenário de nascimento de Osman Lins (1924-1978) duas editoras públicas se unem para lançar a terceira edição de Guerra sem Testemunhas: o escritor, sua condição e a realidade social, depois de 50 anos da última tiragem, em 1974. O livro, com selo da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) e da Editora da Universidade Federal de Pernambuco, é um ensaio profundo, irônico e ousado, com recursos do campo da ficção, sobre o ofício de escrever e a relação do escritor (e da escrita) com o mundo – dos editores e leitores aos censores. Produzido no fim da década de 1960, e atualmente uma raridade, o título será apresentado sexta-feira (24/01), às 19h30, no Museu do Estado de Pernambuco, nas Graças, Zona Norte do Recife.

“A reedição de Guerra sem Testemunhas: o escritor, sua condição e a realidade social é de enorme contribuição para o debate público sobre a literatura na atualidade. Como intelectual latino-americano, Osman Lins sempre insistiu na necessidade do escritor engajar-se no enfrentamento dos problemas e desafios de seu país, é um escritor combativo, muito mais do que polemista”, declara o professor e organizador do livro, Fábio Andrade. Nascido em Vitória de Santo Antão, no interior de Pernambuco, Osman Lins morreu precocemente, na cidade de São Paulo, em 8 de julho, três dias depois de completar 54 anos.

Com 332 páginas e capa de Ildembergue Leite, a nova edição tem uma pequena iconografia (imagens em P&B), que remete ao período de elaboração do livro e à sua repercussão, e um índice onomástico com pensadores, escritores e artistas citados pelo autor. “Fiz a apresentação, que busca assinalar certos aspectos do livro sintonizados com nosso tempo, e acrescentei notas que têm como principal objetivo ressaltar certos diálogos do pensamento crítico de Osman Lins com sua própria produção literária”, informa Fábio Andrade.

Osman Lins é autor de romances (Avalovara, O Visitante, O Fiel e a Pedra), contos (Os Gestos), narrativas (Nove, Novena), relatos de viagem (Marinheiro de Primeira Viagem), obra para teatro (Lisbela e o Prisioneiro) e ensaios. “Poucas, sabe-se, as possibilidades de alcançarmos, neste ofício, a recompensa de um livro duradouro. Por mais que cerremos o espírito aos desvios, destinam-se os escritos literários, em grande maioria, a existência curta: 80% desaparecem em um ano, 99% em vinte anos. Um massacre onde poucos sobrevivem”, escreveu o autor em Guerra sem Testemunhas.

No livro, ele faz a defesa da escrita como ofício: “O profissional é aquele que professa – e professar, mais do que exercer, é abraçar, seguir. A ideia, portanto, deve envolver uma noção de entrega, de responsabilidade e de fé.” Traz reflexões sobre o trabalho criativo, a crítica literária, a circulação de livros, os leitores, o mercado editorial, as dificuldades para publicação de livros, a demora na análise de originais por parte das editoras e os espaços na mídia. Também reage à remuneração do escritor baseada no número de livros vendidos e não pela quantidade de exemplares impressos, e à falta de republicação de obras esgotadas de autores novatos.

“Guerra sem Testemunhas é uma obra que merece ser mais reconhecida. Ensaio preciso, profundo e criativo, é, como aponta o organizador Fábio Andrade, um livro quase solitário na produção brasileira do século XX, com um olhar provocante sobre o ofício — e a solidão — do escritor diante do sistema literário e da sociedade. Nesta terceira edição, com notas e nova apresentação, a Cepe Editora e a Editora UFPE se unem para trazer de volta às prateleiras um título que estava se tornando uma raridade, e que merece novas e renovadas leituras”, afirma o jornalista e editor da Cepe, Diogo Guedes.

Para Fábio Andrade, com a republicação do título, “a maior conquista é justamente dar visibilidade, 50 anos depois, a um livro que ainda recende a pura pólvora, num país cheio de problemas estruturais graves, e com certos setores elogiando nostalgicamente a opressão que Osman Lins tanto combateu.”

Família

“Além de romances, contos, peças de teatro, textos para jornais e TV (Casos Especiais da TV Globo), Osman Lins, meu pai, escreveu ensaios. Ora alguns que estudavam outros escritores (como Lima Barreto) ora sobre as dificuldades que enfrentam todos aqueles que se dedicam ao ofício de escrever. Lembro-me de um fato corriqueiro que muito o irritava, quando viajávamos juntos. A cada hotel, a pergunta na recepção. Profissão? ‘Escritor’, ele respondia. Porém o funcionário de plantão sempre indagava: ‘Como? Profissão?’. E ele, irritadíssimo, ratificava quase soletrando: ‘es-cri-tor’. Isso acontecia até mesmo no exterior”, recorda a jornalista Letícia Lins.

“Tal comportamento traduz a forma como ele colocava em primeiro plano o ato de escrever,  assim como a sagrada importância da palavra,  a ferramenta do seu ofício. ‘Uma coisa não existe realmente enquanto não nomeada’. Para ele, se não pudesse escrever, era melhor morrer. E usou de toda a alquimia que encontrou, para produzir contos, peças, romances. Porém, apesar da dedicação, ser escritor, no Brasil, nunca foi fácil. Principalmente no final dos anos 1960, quando o Brasil vivia uma ditadura, que encarava a arte de criar como subversão. E cabia ao criador driblar as limitações políticas e a censura”, observa.

“Em Guerra sem Testemunhas, há questionamentos que ele fez que ocorrem, ainda com mais intensidade, no século 21. Naqueles tempos, em que nem se sonhava com Internet, ele questionava: ‘Caminha o livro para a extinção ou está mais vivo do que nunca’? Tem pergunta mais atual? Também analisa o papel da Literatura frente às comunicações de massa e a realidade política. Tem discussão mais necessária hoje do que essa?”, destaca Letícia Lins.

Serviço

O que: Lançamento de Guerra sem Testemunhas: o escritor, sua condição e a realidade social. Haverá bate-papo entre Fábio Andrade e o professor Eduardo César Maia.

Quando: Sexta-feira, 24 de janeiro

Hora: 19h30 às 21h30

Onde: Museu do Estado de Pernambuco (Avenida Rui Barbosa, 960, Graças, Recife-PE)

Preço: R$ 70 (impresso)

Assessoria de Imprensa da Cepe

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