Celebração de Nossa Senhora do Carmo: Devoção e fé no Recife
Devotos de todo o Brasil participam da 328ª edição da festa, marcada por história, sincretismo e forte espiritualidade.
Padroeira do Recife e de Pernambuco, Nossa Senhora do Carmo é celebrada, nesta terça-feira (16). Atualmente em sua 328º edição, devotos de todo o Brasil vêm à capital pernambucana celebrar, agradecer e pedir bençãos à santa católica.
A história de Nossa Senhora do Carmo no Recife é antiga. Segundo o professor polivalente e historiador Givanildo Sousa, Pernambuco foi o berço de entrada dos frades carmelitas no Brasil e, também, nas Américas.
Porém, a chegada no Estado não passou de um “acidente”. No ano de 1580, 80 anos depois do descobrimento do Brasil, carmelitas saíram da Europa buscando a Paraíba. Após uma tempestade, ancoraram em Olinda e só perceberam que estavam no estado errado três meses depois.
O professor conta: “Eles pensaram que aquilo aconteceu por vontade de Deus e de Nossa Senhora do Carmo. Então, eles se estabeleceram e aos poucos foram se espalhando, foram para Recife, para Goiana, João Pessoa, na Paraíba. Mas, Pernambuco é o berço de entrada dos carmelitas”.
Embora os carmelitas tenham se espalhado para outras regiões, a devoção pernambucana sempre prevaleceu como a maior do Brasil. O fato pode ser observado em como Nossa Senhora do Carmo foi consagrada padroeira do Recife.
“Apesar de Santo Antônio ser tão milagroso, tão popular, ter tantos devotos, a figura feminina de nossa senhora ainda atrai mais corações, mais devoção. Através dessa devoção a nossa senhora, ela foi proclamada padroeira secundária de Pernambuco e do Recife”, analisa.
Em 1909, a Virgem do Carmo foi declarada como Padroeira Secundária do Recife. Isto porque o Recife já tinha um padroeiro, Santo Antônio, o santo casamenteiro. O professor conta que um grupo de recifenses muito devotos a Nossa Senhora, se juntaram, fizeram um abaixo-assinado e pediram para o reitor da Basílica do Carmo para que o Papa consagrasse a santa como padroeira da capital.
História da Virgem do Carmelo
Nossa Senhora, a mãe Jesus, recebe muitos títulos. Nossa Senhora das Dores, do Amparo, Imaculada, da Conceição, são alguns exemplos, cada um deles honra alguma função da santa católica.
No caso da padroeira de Pernambuco, Nossa Senhora do Carmo é o título dado à mãe de Jesus por conta de sua função como padroeira da ordem carmelita, considerada a ordem mariana mais antiga da igreja católica.
“Para nós carmelitas, nós veneramos Nossa Senhora do Carmo antes de Maria nascer. Segundo o livro de Reis, através do santo profeta Elias, ele teve a visão de uma singela nuvem, que na crença de fé, era a pré-figuração de Maria Santíssima. A visão do profeta acontece 900 anos antes do nascimento de Maria Santa”, explica.
Sendo Carmo uma palavra abreviada de Carmelo, um monte na Palestina, o professor explica que o monte era um local em que os primeiros carmelitas, ainda no século XII, se alojavam. “No início da ordem, os irmãos carmelitas eram eremitas, eles moravam na solidão. Cada um em sua cela medieval de pedra e viviam em profunda oração. Quando os carmelitas migram para a Europa, eles não podem mais viver como eremita e passam a pregar a palavra de Deus. Mas, os europeus não davam credibilidade ao que eles falavam porque não tinha a aprovação do Papa. Só que, na verdade, é Nossa Senhora que sustenta a Ordem. Não existe outra ordem tão mariana quanto a do carmo. Por isso chamamos de Ordem de Venerável”, explica.
As Ordens do Carmelo
Dividido em três ordens, a Ordem do Carmo é a ordem mariana mais antiga do mundo.
A Primeira Ordem é a dos frades. São conhecidos por dedicarem sua vida à oração e estudos da Palavra de Deus.
“Na Segunda Ordem, temos as monjas. Elas não saem para nada, apenas para o médico. São enclausuradas. Elas entram com o nome civil, o comum que todos temos, e quando vão professar os votos, elas mudam para o nome religioso. Esse nome costuma ser dado pela Madre Priora, que é a primeira a servir”, relata o professor.
O professor Givanildo, ressalta ainda, que nas imagens de Nossa Senhora, a santa aparece como carmelita, assim como as mulheres da Ordem. O véu branco representa a pureza, item também usado pelas monjas, enquanto não profetas, após os votos, elas usam o véu preto.
“Esse véu preto significa morrer para o mundo”, explica.
Já a Terceira Ordem é formada pelos leigos. Givanildo explica que essa ordem é formada por pessoas comuns que têm o próprio trabalho, casam, mas se consagram à Nossa Senhora do Carmo.
O Escapulário
Algumas pessoas têm o hábito de usar um escapulário como forma de ter proteção. Sobre esse item tão comum por devotos, o professor explica que a correntinha “é a grande promessa de Nossa Senhora do Carmo”.
Givanildo explica que o escapulário é a parte mais “humilde” do hábito carmelita, mas a parte mais bela. “Na verdade é um avental, os frades na idade média usavam esse avental para não sujar tanto o hábito, visto que tecido era muito caro”, relata.
“A Igreja, enquanto mãe, entendeu que as pessoas do mundo não podem estar com um hábito daquele tamanho, né? Então diminuiu, mas o sentido continua o mesmo. O escapulário é o manto de Maria, é como se Nossa Senhora colocasse seu manto em nós”, descreve.
Também conhecida como a Mãe das Almas do Purgatório, devotos da Igreja Católica acreditam que aqueles que forem fiéis a seu escapulário e a santa terão proteção na vida após a morte.
O professor Givanildo explica que “o Papa João 22 acrescentou na bula pontifícia que todo aquele que morrer revestido com um escapulário de Nossa Senhora do Carmo, no primeiro sábado após a sua morte, Nossa Senhora vai buscá-lo e tirá-lo das chamas do purgatório e levá-lo ao céu”.
As cores
Ao longo da festa, é comum vermos pessoas vestidas nas cores habituais da santa: branco e amarelo. Flores com esses tons costumam ser prostrados no altar de Nossa Senhora.
O professor Givanildo afirma que o branco representa a pureza de Maria. Já a cor amarela, tão típica da cerimônia, significa a capa de Nossa Senhora do Carmo.
“A capa, muito no passado, era totalmente branca. Tanto que se você ver um frade revestido no hábito, ou um irmão da ordem terceira, você vai ver que a capa dele é bege. Mas, por conta de tantas imagens com a capa amarela, o povo adotou a cor”, conta.
Sincretismo Religioso
Para os devotos de Nossa Senhora do Carmo, o mês de julho é época de celebrar a santa. Para os Povos de Terreiro, o mês também é dedicado à celebração da orixá das águas doces, Oxum. No sincretismo religioso, a orixá se assemelha a Maria.
Mãe Beth de Oxum, ialorixá regida por Oxum, afirma que o sincretismo religioso nasce de um processo de violência. “O sincretismo religioso foi uma associação de santos católicos dos santos de matriz africana por uma questão histórica de perseguição. Em que tinha que se cultuar São Jorge em cima da mesa e Ogum embaixo da mesa, Nossa Senhora do Carmo em cima da mesa e Oxum embaixo”, explica Mãe Beth.
Conhecida como a rainha das águas doces, Oxum é celebrada pelos Povos de Terreiro todos os dias, mas por conta do sincretismo, Mãe Beth conta que a celebração à orixá se acentua no mês de julho.
“Cultuar Oxum é cuidar das águas doces, é cuidar dos rios, das águas doces, é cuidar do planeta. Nós, o Povo de Terreiro, cultuamos as águas, a mata é sagrada, o mar é sagrado. Não é nada mais, nada menos que isso. Para nós, a natureza é sagrada”, conta.
Mãe Beth ainda lembra que houve um tempo que devotos de Oxum iam para o Pátio de São Pedro e cantavam em Yorubá para a orixá. “Não sei se ainda há, mas, hoje, nosso culto é no rio. Eu particularmente vou para o rio e levo flores para Oxum, em uma celebração simbólica”.
A Festa de Nossa Senhora
Ao todo, foram 11 dias de festas dedicadas exclusivamente a Maria do Carmelo. A produção do evento estima que mais de 300 mil devotos são esperados na Basílica de Nossa Senhora do Carmo, no bairro de Santo Antônio, na área central do Recife, nesta terça (16).
Neste último dia de festas, serão celebradas 27 missas, que começarão às 4h e terminarão às 16h com a missa solene campal, celebrada pelo Arcebispo Dom Paulo Jackson. Por fim, às 17h devotos poderão acompanhar a procissão de Nossa Senhora do Carmo pelo bairro.
Nessa reta final de celebrações, Frei Cidmário, reitor da Basílica do Carmo, afirma que foram dias de bençãos. “Bençãos pelo amor que o povo tem a Nossa Senhora do Carmo, mas sobretudo pela fé. Que as pessoas que vêm aqui foram movidas pela fé. Pelo encontro com Cristo, pela Eucaristia, mas também por sua devoção à Nossa Senhora, por perceber e sentir esta mãe que não abandona os filhos que está sempre presente. Nas orações, nos louvores e nos momentos difíceis. E essa mãe a gente não explica só com palavras, só com a expressão do sentimento do coração que cada filho, cada devoto traz dentro do seu coração de Nossa Senhora aqui na Basílica”.
O sentimento pôde ser visto nesta segunda-feira (15), véspera do Dia de Nossa Senhora, centenas de devotos da santa já lotavam a Basílica do Carmo. Entre eles, Dalva Maria da Silva, de 66 anos, emocionada, ela contou que é devota de Nossa Senhora desde que nasceu. “Nossa Senhora do Carmo representa muita coisa na minha vida, eu me emociono só em falar. Ela ajudou na minha saúde, me deu paz, sossega na minha família. Todos os anos eu tô aqui.”
Para os fiéis que estão pensando em ir para a festa, Frei Cidmário convida: “Vivam esse dia como um dia especial, um dia de bênçãos, um dia de graça, da proteção de Nossa Senhora, mas sobretudo das bênçãos dos céus que vêm de Jesus, que traz para cada um de nós o alento, o refrigério para nossas dificuldades, nossas dores. Venha buscar sempre a proteção dessa mãe, porque quando a gente busca a proteção de Nossa Senhora, a gente não fica desamparado”.
Foto: Marina Torres/DP
Fonte: Diario de Pernambuco